O amor e suas
diferentes manifestações
por Yair Alon
Em uma conversa recente com amigos, questionaram-me sobre a
minha visão do amor. Como a questão é boa e pode ser de interesse de mais
pessoas, resolvi escrever esse artigo para tratar um pouco do assunto, dentro
da visão cabalística mas, claro, também dentro de uma visão pessoal do assunto
(para mim, escrever coisas puramente técnicas que não tenham nada de pessoal é
um contrassenso).
Como todas
as definições, estabelecer verbalmente o que é amor não é fácil. Agravasse a
situação, ainda, por sabermos que ‘amor’ é o jeito português de falar de um
sentimento que, em minha opinião, não é de modo algum único e uniforme. Me
explico: acredito que existam diferentes tipos de amor (e algumas línguas,
dentre elas o hebraico e o grego, diferenciam cada tipo com um termo
específico), mas o português categoriza todos esses senti-Ruth at the feet of Boaz (1960), Marc Chagall mentos
em uma só palavra.
Assim, em vez de tentar definir dicionaristicamente a
palavra amor, talvez seja mais interessante entender esse sentimento – evitando
ao máximo possível se ater às palavras – e análisá-lo de uma perspectiva
racional.
Nesse ponto o leitor pode sentir um pequeno choque, ao ver
em uma mesma frase as palavras “amor” e “racional”, ou “sentimento” junto de
“análise”. Acredito, no entanto, que nada deve nos surpreender aqui. O amor,
como pretendo demonstrar em breve, é uma arte que se aprende de maneira ativa,
assim como uma pessoa aprende a tocar violino ou a consertar um carro. Ao
contrário da visão generalizada de que o amor é algo passivo que “acontece com
a gente”, acredito que o amor seja algo que pode ser estudado e praticado e,
mais que isso, que, em geral, se não for desse modo, o amor não é experimentado
(salvo o caso excepcional do amor à primeira vista, que pretendo abordar
adiante). Só assim é possível entender como na tradição judaica o amor não é um
ideal, uma convicção, um princípio ou um belo conceito, mas sim uma obrigação,
um dever, uma responsabilidade e uma ordem, como deixa entrever o versículo
“Ama ao teu próximo como a ti mesmo” (Levítico 19:18).
Não é à toa que encontramos nas mais diversas culturas – da
Grécia à Índia –, e nas mais diversas épocas – de Ovídio a Erich Fromm –,
autores (em geral, poetas) que se dedicaram a escrever verdadeiros tratados
sobre o amor, em geral intitulados como “A Arte de Amar”.
Mas que não se engane o leitor. O fato de o amor ser algo
ativo, que se pode aprender e desenvolver não significa, no entanto, que ele
não tenha um componente mágico, fascinante e esplendoroso. Muito pelo contrário!
Cabe agora analisar, portanto, o que é que define esse
sentimento em suas diferentes manifestações, e quais são os elementos
componentes do amor. Com isso começaremos a diferenciar os tipos de amor
existentes.
O elemento central da maioria das manifestações de amor é o
desejo de cuidar e proteger o ser amado. Obviamente, esse desejo pode ser mais
ou menos intenso, e dirigido a diferentes tipos de “objetos”, o que já começa a
explicar por que afirmo que existem diferentes tipos de amor. No entanto, falando
de modo simples e direto, se eu conheço uma pessoa (e essa pessoa pode ser eu
mesmo, quando falaríamos, então, de amor próprio) e desejo evitar que ela passe
por uma situação negativa, eu já estou sentindo amor por ela.
Assim, oferecer o guarda-chuva ao ver uma velhinha andando
desprotegida na rua é um ato de amor tanto quanto querer que minha namorada ou
namorado não percam o emprego e tenham uma carreira cada vez mais próspera.
Esse querer cuidar, proteger e evitar o sofrimento é amor,
pura e simplesmente. Nesse elemento central componente do amor está pressuposto
um subelemento: o do respeito. Por questões inerentemente humanas, não
conseguimos sentir o desejo de cuidar e proteger alguém se não respeitamos essa
pessoa minimamente.
É por isso que ligado ao mandamento de amar ao próximo como
a ti mesmo o texto de Levítico ordena “não fiques alheio ao teu próximo”
(Levítico 19:16).
Em alguns casos esse amor é acompanhado de um componente
sexual, um desejo físico e atrativo. Outras vezes, não.
Acredito que
a maioria das pessoas, se questionada sobre o que é o amor, ou o que é estar
enamorado, descreveria um sentimento de paixão sexual e desejo, com um matiz de
obsessão. De fato, essas são forças fortes (sem qualquer redundância) no ser
humano, mas, a meu ver, dizer que o amor é isso é, no mínimo, uma visão
simplista e ingênua da coisa. Caso assim fosse, não poderíamos falar de sentir
amor por um irmão, por um amigo, pelos pais, ou pela natureza.
Em geral, as pessoas que pensam que o amor é esse elemento sexual
e obsessivo depois de um tempo são as mesmas pessoas que podem vir a dizer: “Eu
achei que estava vivendo o amor, mas não, era apenas uma paixão passageira”.
Chegando neste ponto podemos entender o que é o amor à
primeira vista. Antes, no entanto, é preciso dizer que o que a maioria das
pessoas pensa ser amor à primeira vista nada mais é do que paixão à primeira vista. Ou seja, às vezes, sem sequer conhecer uma
pessoa, sem sequer falar com ela, podemos sentir algo muito forte por ela
(entenda-se algo muito forte como sendo algo quase que exclusivamente sexual).
Isso significa que não existe amor à primeira vista, e que
toda atração imediata é puramente física, química e sexual? Não! Antes de mais
nada, às vezes essa paixão à primeira vista pode, posteriormente, ir evoluindo
para um sentimento mais sutil e delicado, de respeito e querer cuidar.
E, em segundo lugar, dentro do
conceito de amor que proponho aqui – o querer cuidar e proteger, por sentir
respeito –, às vezes realmente experimentamos o amor à primeira vista; por
algum motivo inconsciente (ou espiritual, diria a Cabalá) ao conhecer uma
pessoa posso sentir um forte desejo de protegê-la e de cuidar dela. Ainda
assim, nesse caso sempre há algo sexual que acompanha esse sentimento mais
nobre, e é justamente isso que diferencia o amor à primeira vista do amor que
posso sentir ao ver uma velhinha na chuva e imediatamente
sentir o desejo de Boaz wakes and sees Ruth at
his (1960), Marc Chagall protegê-la estendendo o guarda-chuva.
Assim, trata-se de uma questão de
proporção entre os três diferentes casos. Se tudo o que sinto à primeira vista
é algo sexual, tenho uma paixão à primeira vista. Se o que eu sinto envolve o
desejo de cuidar pura e somente, é um amor à primeira vista, mas não do tipo
romântico, talvez algo mais fraternal e amistoso. Por fim, se eu sinto o forte
desejo de proteger e ajudar unido a
um desejo sexual, ainda que mínimo, estou diante do verdadeiro amor à primeira
vista.
Assim sendo, é a existência ou não desse pequeno componente
protetor que vai definir o que é que eu senti à primeira vista por uma pessoa.
O amor romântico (o amor que vem à maioria das mentes
quando falamos de amor) é, então, algo que pode surgir espontânea e
imediatamente – de forma rara e extremamente ocasional – ou é algo que pode ser
construído e criado por duas pessoas – a forma mais comum e geral de isso
acontecer.
Convém ressaltar que no caso da paixão à primeira vista, a
relação pode evoluir e se tornar uma relação de amor, mais especificamente se o
componente de cuidar cresce e toma um lugar importante no coração da pessoa,
junto do componente sexual. O que define se esse momento inicial sexual se
torna um amor maduro ou não é um mistério que ainda não desvendei e que,
talvez, jamais venha a desvendar. Por ora, prefiro dizer que isso ocorre por
obra do acaso.
Existe mais uma categoria de amor que devemos falar, e que é
tema de discurso de muitas linhas espirituais, o Amor Universal, aquilo que os
gregos chamavam de Ágape.[1]
Dentro da minha definição, esse amor seria uma tentativa de proteger de coisas
negativas a tudo e a todos, ao máximo possível. Desnecessário dizer que esse é
um amor raro e pouco encontrado, fruto apenas de almas extremamente elevadas. A
pessoa que experimenta esse amor demonstra ter uma compaixão intensa, e uma
empatia rara. Essa pessoa sentiria (e talvez expressaria) seu amor pela
natureza, os animais, as plantas e a humanidade como um todo.
De tudo o que
foi dito, acredito que fica claro que o amor não é uma emoção pouco específica
que nos domina e joga joguinhos com nossa mente e coração. O amor não é algo em
que passivamente caímos e sua expressão é múltipla e variada.
O amor é algo
que se adquire, por meio da demonstração de respeito pelo outro, pela escolha
ativa e deliberada de não me fechar e de me mostrar frio ou alheio frente ao
problema do outro. Como nos pede o versículo de Levítico, não devemos ficar
impassivos frente à desgraça do outro, ainda que não tenhamos relação alguma
com a pessoa. Várias são as correntes que pregam o valor do auto-sacrifício em
relação às necessidades dos outros, ou seja, que falam da importância de
colocar as necessidades dos outros antes do que as nossas próprias.
Por mais nobre que seja, no entanto, esse é um ponto que
deve ser tomado com cuidado e não levado muito ao pé da letra. O dístico de
Levítico claramente equipara o amor que sentimentos por nós mesmos ao amor que
podemos dar aos outros (Ama ao teu próximo como
a ti mesmo). Amar-se a si mesmo é um pré-requisito óbvio e evidente para
que se possa vivenciar e expressar o amor na vida. É preciso que primeiro nos
valorizemos a nós mesmos se queremos, posteriormente, espelhar esse amor nos
outros. Isso não é tão egoísta como parece e qualquer pessoa de bom senso, se
parar para pensar um pouco verá que, de fato, só conseguimos despertar em nós o
sentimento de proteger ao outro se temos esse sentimento conosco mesmo. Se eu
sou uma pessoa que não se importa em sofrer e que acredita que o sofrimento é a
melhor coisa do mundo, que tipo de amor eu posso dar ao outro? Que tipo de
empatia eu posso manifestar? Mais provavelmente eu acreditarei que a vida é
sofrimento e que, todos, devemos sofrer, talvez até alguns mais do que outros.
Isso é exatamente o oposto do amor.
Uma das conclusões mais importantes dessa análise talvez
seja perceber que os diversos tipos de amor se manifestam nas mais diversas
relações e pessoas.... Entre amigos, com a família, com o cônjuge, com
estranhos e até de modo pessoal e solitário. Esse é um grande contraste com a
tendência moderna de ver o amor como um caso específico e aplicado a apenas um
tipo de relação, relação essa na qual esperamos encontrar todos os tipos de
amor mencionados presentes em uma só pessoa.
A lição que pode-se tirar daqui é que
se queremos vivenciar o amor podemos cultivá-lo em vários locais e de diversos
modos. Não precisamos procurar apenas as paixões à primeira vista (que nem amor
são) ou apenas os laços que envolvem o componente sexual e erótico. Se estamos
sentindo pouco amor podemos simplesmente ligar para um amigo ou sair à rua e
dedicar um pouco do nosso tempo a cuidar dos outros que precisam de nós.
[1]
Na verdade, ainda existem outros dois tipos de amor mas que não serão abordados
aqui. O amor que se tem por uma atividade ou obra – como quando alguém diz “Amo
meu trabalho”, ou “Amo esse livro” – e o amor que alguns sentem por D’us (ou o
Universo, a Energia Cósmica, como se queira chamar). Nesses dois casos o amor
não surge como desejo de cuidar, obviamente, mas como fruto do respeito que
temos pelo objeto do amor, seja nosso trabalho, seja um objeto de que gostamos,
seja D’us.
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